Frei Maximiliano Herráiz, OCD
Por Frei Patrício Sciadini e Andréa Luna
Frei Maximiliano Herráiz é espanhol, Carmelita Descalço, Conselheiro Geral do Carmelo para a América Latina e autor de vários livros sobre os místicos do Carmelo.
Por ser um grande estudioso de Santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz, ajuda-nos a compreender que os místicos não pertencem ao ontem da Igreja, mas ao futuro, porque caminham à nossa frente. Teresa é mãe e mestra da oração, uma mestra que antes de ensinar experimentou na própria vida a amizade com Deus e depois foi comunicando esse dom a todos os que conviviam com ela.
Quem é Santa Teresa de Ávila? Fale-nos um pouco de sua trajetória como mulher, Carmelita e Doutora da Igreja.
Frei Maximiliano: Podemos distinguir três etapas na vida de Teresa de Jesus.
O primeiro período vai até os vinte anos, tempo em que ficou na casa paterna. Por volta dos quinze anos perdeu a mãe, tornando-se assim o coração da família. Era uma mulher muito inteligente, gostava de fazer amizades, e tinha o dom de unir as pessoas – esta será uma característica forte na sua espiritualidade.
Foi uma das poucas mulheres que podia ler no século XVI, e gostava muito de fazê-lo, tanto para saber mais quanto para ter o próprio pensamento e ser livre diante dos outros.
Podemos destacar também a vocação de Teresa à oração e a grande devoção à Virgem Maria, sobretudo como mãe. Ela mesma, no livro da Vida, diz que depois da morte de sua mãe colocou-se nas mãos da Virgem e a assumiu como mãe.
O primeiro período, portanto, é fortemente caracterizado pelo trabalho como "mãe" dos irmãos e do pai, em casa, e pelo relacionamento com os outros. Era uma mulher muito aberta, de uma afetividade forte, sentia-se amada e amava intensamente. Porém, uma relação de amizade lhe fez muito mal, ela o diz no livro da Vida, porque a introduziu na escravidão afetiva.
O segundo, é o maior período da sua vida: são 27 anos de vida religiosa carmelita, no Mosteiro da Encarnação, em Ávila. Podemos recordar alguns momentos muito importantes.
A escravidão afetiva durou muito ainda como religiosa, até os 39 anos de idade, quando ocorreu sua conversão definitiva – diante de uma imagem do Cristo muito ferido; disto ela mesma fala no livro da Vida.
Outro acontecimento importante, nesse tempo, foi quando a Inquisição proibiu, sobretudo às mulheres, de ler livros. Os inquisidores sabiam muito bem que a formação torna a pessoa livre, independente, autônoma. Teresa chorou muito, mas foi obediente. Isso foi em 1559.
O terceiro período dura 20 anos: de 1562 a 1582, o ano de sua morte. Esse tempo é dividido em três funções: educadora, fundadora dos mosteiros de monjas e monges, e escritora. Todos os livros que temos foram escritos durante esse período.
Podemos recordar, em 1567, o encontro com São João da Cruz. João tinha 25 anos, e ela 52. Gostou muitíssimo, diz ela, desse jovem carmelita, ao qual convida para acompanhá-la na reforma dos frades carmelitas.
Em 1577, escreveu o último livro, o livro das Moradas, tendo João da Cruz como confessor dela e da comunidade da Encarnação de Ávila. Nesse tempo, há um relacionamento muito íntimo entre eles, de amizade e acompanhamento espiritual que se tornou muito importante na vida de ambos.
Santa Teresa é uma mulher de amizade com Deus e com os homens. Como ela descobriu esse trato de amizade?
A descoberta da amizade com Deus é uma graça particular que tem seu fundamento na natureza de Teresa: uma mulher muito aberta, desde menina, às relações interpessoais.
É uma graça mística. Não é possível que uma menina de sete ou oito anos relacione-se com Deus na base da amizade, sobretudo num tempo em que a Igreja e os teólogos não ensinavam que Deus fosse amigo, mas juiz.
Então, essa graça da natureza foi o que dispôs Teresa à descoberta do Deus amigo, que nunca lhe falta, que fica sempre muito perto dela para dar-lhe a mão e levantá-la quando cai no pecado ou na infidelidade.
Existe um método de oração teresiano?
Não existe um método teresiano de oração. Mas podemos dizer que a amizade, o exercício da amizade divina e humana, é o seu método. E esse método inclui uma relação freqüente na fé mútua. Devemos crer em Deus e uns nos outros.
O método é, portanto, o caminho da amizade. Gosto de convidar as pessoas a pensar na amizade – naquela mais forte, mais bela – e a escrever os passos dessa amizade, ver sua história.
Não temos métodos na relação pessoal: cada amizade é uma descoberta particular, um caminho único que percorremos com aquela pessoa. O amor é a força que alimenta a vida humana e nos faz procurar uma relação mais íntima com a pessoa amada.
Se as pessoas acostumam-se a ler a própria vida, a relação com os outros em termos de amizade, vão descobrir muito bem o que é o método teresiano da oração pessoal, cada pessoa tem um caminho na relação da amizade.
O senhor falou que a base de tudo é o amor. Como se deu a descoberta, a experiência do amor de Deus na vida de Teresa?
Foi muito íntima, sem imagens, sem idéias; foi uma graça muito particular de Deus, uma graça divina e humana, porque ela sabia muito bem que possuía uma graça especial para querer e ser querida pelos outros. Esta é a maior de todas as graças: ter a capacidade de amar e ser amada pelos outros; e devemos pedir esta graça.
Isto é uma questão pessoal. Se você lê todos os livros que falam da amizade, mas não tem uma pessoa amiga, você tem apenas a idéia, mas não sabe o que é a amizade. Com Deus é a mesma coisa: eu posso ter idéias geradas nas leituras e conversas com teólogos, mas conhecer Deus é possível somente pela relação pessoal, isto é, pela oração.
E o senhor, como descobriu o Carmelo e encontrou-se com Teresa?
O desejo de ser carmelita e a descoberta de São João da Cruz e de Santa Teresa aconteceram muito cedo, aos 14 anos de idade, com uma certeza absoluta de que eu não podia ser senão carmelita, como eles.
Como foi isso, não sei. Apenas entendo que houve uma luz muito intensa diante de uma imagem da Virgem, no mês de maio.
Depois, meu relacionamento com São João da Cruz e com Santa Teresa foi o de uma pessoa que quer ser salva numa situação muito difícil: aos 25 anos, eu estudava na universidade de Valência, que respirava o clima e as conseqüências da revolução pós Concílio Vaticano II na Igreja, da revolução social de Paris (maio de 68) e da revolução da primavera de Praga.
Pensei que se não estabelecesse amizade com estes dois profetas da verdade e do amor perderia a minha vida como pessoa, como crente e como carmelita. Então, procurei a sua amizade e comecei a lê-los com muita paixão e todos os dias reservei muitas horas para dialogar com eles porque no entorno não encontrava pessoas com as quais partilhar e iluminar minha situação pessoal.
Que conselho o senhor daria aos jovens de hoje que querem ler Santa Teresa? Como devem começar?
Os místicos não são fáceis de se ler, sobretudo para os jovens de hoje, que não têm tempo nem psicologia para sentar-se e ler tranqüilamente, já que têm a televisão, a música...
Portanto, aconselho em primeiro lugar conhecer alguma coisa da vida de Teresa. Depois, é bom ler alguns textos-chave, que elucidam e explicam os escritos. Não é fácil, nem bom, ler Teresa da primeira à última página.
Outra coisa importante é estar profundamente abertos, porque os escritos dos místicos, como Teresa e João da Cruz, são uma comunicação de experiência.
Os livros mais fáceis são Fundações e Caminho de Perfeição... mas insisto sempre nos textos-chave.
Fale um pouco dos seus livros, que certamente podem ajudar a "descobrir" os místicos.
Escrevi alguns livros sobre Santa Teresa e São João da Cruz. Os primeiros, escrevi sem querer, ou seja, escrevi para mim mesmo, somente.
Só Deus Basta, que foi minha tese de doutorado em Teologia, tem seis edições, mas ainda não existe em português. Posteriormente, depois de muitos anos lendo Santa Teresa e fazendo oração pessoal, em dois meses apenas, escrevi A oração, uma história de amizade; tem sete edições, inclusive em português, pelas edições Carmelitana e Loyola. Escrevi também, de São João da Cruz, um outro livro sobre oração: Palavras de um maestro; também publicado muitas vezes na língua espanhola. E um pequeno livro, intitulado A união com Deus, graça e projeto – catecismo São-Joanita, é um guia de leitura dos livros de São João da Cruz. Depois, fiz também a publicação com notas, introduções e notas de rodapé das Obras Completas de Santa Teresa e de São João da Cruz. E outros livros, como Oração, uma experiência libertadora.
O que Santa Teresa pode dizer aos homens e mulheres do terceiro milênio?
Pode dizer muito! Santa Teresa queria ser uma pessoa livre, independente. Sem liberdade, não podemos ter bons relacionamentos. Então, para ser autônoma, independente, a santa procurou a formação pessoal: ler, estudar, dialogar com pessoas que conhecem, por exemplo, a Teologia, a Bíblia, para que o relacionamento com elas a ajudasse a ter as próprias idéias e não depender de ninguém.
A santa diria também aos homens e mulheres do terceiro milênio que não podemos falar de valores individuais, porque a pessoa é, essencialmente, social, comunitária. Não posso ser eu mesmo sem a relação com os outros. Eu sou o que são as minhas relações com os outros. Portanto, uma pessoa deve abrir-se ao diálogo. Como cristãos, temos a urgente necessidade de lembrar que Jesus faz comunidade. Não é possível seguir Jesus sozinho, mas com os outros. E a Igreja, a comunidade, não pode fechar-se sobre si mesma. Acredito que Santa Teresa estaria muito contente com o documento do Concílio Vaticano II sobre as relações da Igreja com o mundo, porque era uma mulher aberta ao diálogo.
A experiência da relação com os outros nos faz entrar em nós mesmos para descobrir as imensas riquezas que Deus nos dá. Então, que cultivemos a relação com os outros, porque é disso que mais precisamos para crescer.
O matrimônio espiritual de que fala Santa Teresa é apenas para os religiosos e religiosas, ou é também para os leigos que vivem no mundo?
O matrimônio espiritual é o símbolo das relações de Deus com a humanidade, é a partilha mais profunda entre duas pessoas. É a máxima individualização e a máxima comunhão. Não se pode estabelecer uma relação de comunhão se não permaneço "eu" mesmo e o outro não permanece "ele" mesmo. Então, a relação mútua, recíproca, nos faz indivíduos unidos. É a plenitude do amor: acolher o outro e deixá-lo ser ele mesmo e dar-nos a ele com todo o nosso ser. É a relação mais íntima, mais profunda.
Devemos dizer aos cristãos que Deus é amor. E, por ser amor, não chama ninguém a uma vida medíocre, Ele chama todos à plenitude, e a plenitude de vida é uma plenitude de relação. E quando fala de relação com Deus, a santa – como João da Cruz, como a Tradição da Igreja – fala do matrimônio espiritual, que é a história da relação humana mais íntima, mais significativa.
Então, Deus chama todos, sem distinção de leigos, religiosos... Deus chama todos a viver o amor, simplesmente. Porque a nossa vocação é amar tanto quanto somos amados.
Santa Teresa, insistindo muito na oração, não corre o risco de beirar a alienação?
Uma pessoa que crê no amor não pode ser alienada senão de si mesma. A alienação de si mesma é a exigência interna do amor. Quando amo, saio de mim mesmo para colocar meu amigo, minha amiga, no centro da minha vida.
O amor, unicamente ele, faz a alienação positiva, realizadora da pessoa. Por isso Santa Teresa insiste tanto nas obras. Se tenho uma relação íntima contigo, não posso deixar de amar e de fazer o bem a todas as pessoas que tu amas. Teus amigos são meus amigos. Com Deus é a mesma coisa: se tenho uma relação de amizade com Ele, não posso deixar de estar em comunhão com todas as pessoas que Ele ama.
Por que existe tanto interesse pelo Carmelo hoje?
O mundo e a Igreja procuram os místicos carmelitas, Teresa e João da Cruz, sobretudo porque estes receberam de Deus uma graça grandíssima de enamorar-se por Ele e de poder comunicar sua experiência de relação com Deus de uma maneira agradável. As pessoas procuram Teresa e João da Cruz para descobrir o próprio caminho de relacionar-se com Deus.
Quando uma pessoa conta a sua experiência, muitas outras gostam de ouvi-la, porque descobrem as suas possibilidades pessoais e os desejos de fazer o próprio caminho de experiência.
Santa Teresa e São João da Cruz são lidos apenas por católicos?
Não, eles são muito lidos fora da Igreja, por exemplo entre muçulmanos e hindus; e fora do Ocidente, como no Egito, na Líbia, na Índia e no Japão. Porque os místicos não falam propriamente como teóricos da sua fé, mas falam da sua experiência. Então, uma pessoa não crente, quando os lê, procura a experiência espiritual de uma pessoa, uma experiência que é fonte de vida para todos.
O que o senhor sente ao ver uma comunidade nova na Igreja, como a Comunidade Shalom, que tem Santa Teresa como baluarte da sua vocação?
Para mim, significa uma grande alegria. Reconheço que as pessoas que procuram a amizade de Santa Teresa são muito inteligentes, porque procuram uma mulher verdadeiramente enamorada por Deus, com uma capacidade de introduzir as pessoas no caminho da amizade.
Então, quando um grupo de pessoas procura a proximidade com uma pessoa rica espiritual e humanamente, para mim é uma alegria imensa, porque penso que elas farão um caminho muito bonito de realização pessoal e de realização cristã.
Sou carmelita, mas Teresa é uma mulher da humanidade. Uma das grandes pessoas que Deus deu à humanidade para ajudá-la no caminho da realização.
O que o senhor pensa sobre esse tempo novo na Igreja, de leigos consagrados, Movimentos e Comunidades?
Os leigos são para mim a graça maior no conjunto da Igreja pós-Conciliar. Mas existe uma preocupação acerca da formação desses Movimentos e da sua inserção na Igreja Católica, através da inserção nas Igrejas particulares.
Segundo os nossos místicos, a formação – intelectual, moral e espiritual – é o mais importante para a sobrevivência dos Movimentos e Comunidades. Devem ser livres, ser eles mesmos, buscar a especificidade do seu carisma; e que sejam abertos ao conjunto da Igreja, não se fechando sobre si mesmos; tenham também uma profunda relação com aqueles que chamamos místicos, que ensinam a ter o máximo de carisma e o mínimo de estrutura. Quando a vida é fraca, tendemos a multiplicar as estruturas; quando a vida é rica, não precisamos de tantas estruturas.
O senhor poderia citar três pensamentos de Santa Teresa e de João da Cruz de sua preferência?
De São João da Cruz: "A saúde da pessoa é o amor"; "De Deus alcançamos tudo o que esperamos"; "Com Deus estamos unidos, segundo a nossa fé; quanto mais caímos, mais unidos estamos a Deus".
De Teresa de Jesus: "A amizade é a mais verdadeira realização da pessoa"; "A amizade com Deus e a amizade com os outros é uma mesma coisa, não podemos separar uma da outra"; "Quem ama, faz sempre comunidade; não fica nunca sozinho".
Que mensagem o senhor deixaria aos amigos de Santa Teresa e nosso Internautas?
Uma palavra simples: o amor é visível; podemos ver quando uma pessoa ama, porque se torna aberta aos outros, procura fazer-lhes o bem, é receptiva das experiências e palavras dos outros. Quando alguém descobre que é aberto ao amor, então é amigo de Deus.
Lembro também que, como somos racionais, procuramos conhecer o que vivemos. Então, todos devemos discernir, examinar o nosso relacionamento pessoal com Deus.
Minha vocação é de Deus para os demais!
Não sei com que grau de consciência e segurança confessei a meus pais o desejo de ir para o Seminário Menor, por volta dos 12 anos de idade. O certo é que pouco tempo depois iniciei meu caminho. E o mais certo – porque guardo disto uma viva memória, impressa no mais íntimo de mim – é que considerei sempre como o dia de meu verdadeiro chamado, ou ao menos de minha verdadeira resposta à vocação, um dia de maio, em que diante de uma imagem da Virgem Maria tive a convicção de que só poderia ser carmelita. A decisão foi evidente: o Diretor do Seminário me disse que, se eu não tivesse tão boas notas, já teria me expulsado, "porque era muito rebelde"; no ano seguinte àquela experiência luminosa, recebi um prêmio de bom comportamento.
No noviciado – dos 16 aos 17 anos – minhas experiências levaram-me a uma convicção luminosa e maravilhosa de minha vocação. Lia incansavelmente e possuía notável inclinação para a oração, o que proporcionou nesse período um contato muito pessoal com Teresa e João da Cruz. Conformava-me em experimentar o gosto de estar com eles, de escutá-los no silêncio de minha cela.
Mais tarde tive de dar um salto: por volta de meus 28 anos, redescobri o valor daqueles contatos de juventude com meus pais, Teresa e João, quando vivia bem minha vocação – já no quarto ano de sacerdócio – e uma desafortunada atuação de meus superiores me pôs à beira do precipício. A luz se acendeu em meu interior. Quando me insinuaram – pessoas de cujo amor fraterno não tinha nem tenho dúvida alguma – a saída, surpreendi-me dizendo a mim mesmo: só Teresa e João, meus pais, me dirão a verdade de que necessito.
Devo dizer que jamais me passou pela mente deixar a Ordem e pus-me a dialogar (não simplesmente ler) com eles com muita urgência e paixão. Jamais esquecerei o deleite, o gozo profundo e a luz deslumbrante que – partindo do espírito de meus mestres e amigos – tantas vezes adentraram em meu espírito. Costumo dizer que minha experiência com Teresa e João da Cruz resume-se no seguinte: evangelizaram-me, aproximaram-me do Deus e Pai de Jesus; a misericórdia divina banhou as profundidades do meu ser.
Porque se deu este diálogo tranqüilo, amoroso, orante, estou onde e como estou. Em plena efervescência dos 68 anos, de convulsões profundas, vivendo em uma universidade civil, estudando Filosofia muitas horas por dia. Penso que até a Igreja teria deixado se não houvesse me abrigado à sombra protetora de Teresa e de João da Cruz.
Fonte: comshalom.org
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